quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Quanto custa viajar?



Eu via passarinhos voando no céu de maré estrelar
No peito roncava o motor silencioso atormentado,
A dose de vinho cereja ardia na boca, a água, que meu Tio cortou no canavial naquela tarde cedinho de Abril.
E minha avó dormindo corria a 7 palmos do chão
‘Baião, Baião, Baião’ – era o Dirceu que gritava chamando para o rango aqueles peões
Que rodaram o dia inteiro nas mãos dos coronéis,
Seu Alberto sorria da porta fechada, que ninguém nunca viu, pois tudo ali era escuro, a lamparina, a lamparina sim, pelo meio de querosene, subia fumaça preta no meio da casa, que casa? Eu, nem casa tinha, mas olhava das brechas que a madeira deixava, e de lá também saia cheiro de comida. Dona Gecilda fazia panelada de saudades, com sabor de colo de mamãe, será que mamãe já comeu meu sinhô? Dizia eu, olhando pro céu, tão escuro como a cor dos meus olhos.
‘– MARCOOOO, MARRCCOOO’ - meu Tio gritava perto do meu ouvido, e eu saia correndo pro meu lar feito de papelão e terra. Ninguém conhecia meu tio, talvez as doses que eu tomava eram tentativas de ter uma realidade diferente da minha ou baseada em sei lá o que, nos senhores que dormiam do meu lado, talvez, eu sei é que queria ser gente grande, beber e namorar, via os velhos passando na rua de mãos dadas e se beijando, “-que nojo”, eu não queria namorar de beijar na boca, mas ter namorada parecia ser legal e as pessoas tinham respeitavam.
Dizer que agora sou homem grande, e bater no peito.
Lá do barranco os urubus faziam festa no resto que era meu também, seu Genaro me chamava, mandava eu buscar um balde com água pra ele na cacimba, em troca ele me dava comida, eu corria com aquele balde como se fosse um tesouro preste a ser roubado, minhas pernas finas e cansadas me aturavam mais do que podiam. O bom vinha depois, vinha como vinho, eu costumava ir as portas dos bares e restaurantes, pegava resto de vinho e comida refinada no lixo, colecionava garrafas. Pra quem diz que pobre nunca poderá comer do bom e do melhor, é porque não me conheceu. Era resto, mas era um resto refinado, e eu, de nariz em pé, me sentindo o dono daquilo tudo, e naquilo tudo eu não era nada.
Minha fome saciada, meus olhos fundos, minhas pernas cansadas, meu pés dormentes, e aqueles carros passando por mim, a molecada jogando futebol na quadra, logo adiante o morrinho pra eu subir, meu barraco só cabia mesmo a minha cama feita de barro duro, do telhado eu via o céu, tão bonito e tão longe, mas que cobria também, minha mãezinha, então, abraçando o mundo com os pés, e com as mãos enxugando a dor da saudade em meus olhos.
Sábado, era dia de esperar o caminhão do lixo, quanta felicidade, esperava um sapato novo, um boné talvez, mal podia esperar, já dançava nas batidas que meu coração dava.
Corri, tinha que ser mais rápido que os adultos e os outros da minha idade, ah! Mas eu estava muito fraco, cheguei tarde, rodopiei, chorei, qual desgraça era a minha, já não podia mais desfrutar das coisas novas do lixo, miséria! Miséria!
Naquele dia, tal o que eu encontrei voltando pra minha digna casa, um livro.
-pffff! Um livro. Como ele iria me ser útil? Não sei ler. Nunca fui a escola.
Fui à casa do senhor Genaro novamente, após uns baldes com água ele quis me pagar com comida.
- O senhor não pode me ensinar a ler? Senhor Genaro.
- Hahaha! Então você prefere leitura a um prato de comida?
Genaro me ensinou passo a passo as maravilhas do Abecedário, com o tempo eu peguei jeito e paixão pela leitura, desfrutei dos melhores sabores, vi além do céu, sabia agora ler os nobres vinhos que tomava, eu tinha saído do meu mundo pra ser um desbravador, agora sim, eu era gente grande, vivi romances com Julieta, com Aurora, fui amante da Capitú, matei Policarpo Quaresma, me arrisquei a voar pelo céu com vassouras e usar magia.
Quando completei meus 18 anos, ensinava os outros da vila dos miseráveis, quando o caminhão do lixo chegava, esperávamos o próximo conto, em qual aventura iriamos nos meter, qual magia tinha o lixo.

FIM

terça-feira, 4 de outubro de 2016

BRANDO


Tens te mostrado tão bela,
meu amor.
Teu corpo é oceano no deserto.
Miragens e delírios tive contigo,
o toque da tua boca é manhã de outubro,
calma e molhada.
No tempo em que o teu abraço era infinito,
o meu era confidente
E nos olhos de navegáveis dores,
Incontáveis amores.
Ontem, sozinha no espaço,
hoje, constelação.

(Veronisa Viana)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

HORA CERTA



Não chegue em casa depois das 22, amor! São 2 patos na lagoa, 2 mundos.
22 tempos, falta pouco pra te aproveitar nesse dia, e 22 já é muito, faltam mais 2.

CARTAS



Já estamos desgastados,
e saliva não resolverá
esperei um retrocesso,
areia na mão, escorrendo para o infinito azul

Pensei que voar era liberdade,
Voar é necessidade!
Cortei minhas asas, elas batiam para o inferno,
pra quê carma pior que este meu?

Já não me resta nada,
sou vazia como um poço fundo
mato a sede em lágrimas
de um adeus nunca dito,
mas sentido.

Tamanho é meu desgaste,
não tenho forças pra dizer: Até Logo!
A minha liberdade é não dizer.

(Veronisa)